19 de setembro de 2009

Nova consciência


São muitos os que tem seqüelas dos sangrentos conflitos que envolveram a Colômbia nos anos anteriores. Um amigo, Sebastian, 21, ex paramilitar cuja casa foi queimada e teve o pai morto à quatro anos atrás, contou-me um pouco de sua vida...

Aventureiro e muito falador, conta os profundos ensinamentos de seu pai.

Diz que quando niño seu pai o levava sempre aos campos e as plantações e dizia para ele:

- Cheire a terra meu filho e aprenda a amar esse cheiro. Semeie, cultive, trabalhe a terra e colha os frutos. Tente sempre entender esse ciclo. Não se pode colher sem semear.

Conta que uma vez haviam passado um tempo plantado várias árvores nas redondezas da sua casa. Um dia estavam caminhando e seu pai de repente parou em frente a uma arvore que havia sido plantada a cerca de 15 dias e disse:

- Filho, arranque essa árvore. Sebastian sem entender muito o que se passava foi até a árvorezinha, agarrou-a com as mãos e arrancou com todas suas raízes.

Seu pai deu um sorriso satisfeito e não disse nada. Caminharam mais um pouco e pararam em frente a outra árvore. Essa bem mais robusta, mas ainda jovem, com pouco mais de um mês. Seu tronco não era mais grosso do que as duas mãos de Sebastian.

Novamente veio a ordem:

- Filho, arranque essa árvore agora. Sebastian subestimou a árvore e foi confiante agarra-la e puxa-la. Não precisa dizer que ele mexeu para todos os lados e não conseguiu sequer ver as primeiras raízes. Arriscou pegar um machado, mas seu pai reprovou e disse que queria que ele a arrancasse com todas suas raízes.

Depois de um tempo sem sucesso Sebastian perguntou o que aquilo queria dizer.

Então ouviu uma lição, seu pai lhe explicara sobre os vícios das drogas. Que como as árvores, os vícios se enraizam de maneira tal que só temos a chance de remove-los quando ainda muito jovens. Do contrário vão se enraizar para sempre.

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Emocionado ao lembrar as lições de seu pai, camponês dos andes, Sebastian conta que isso parece algo tão obvio hoje, ter cuidado com os vícios. Mas diz que infelizmente todos seus amigos de infância hoje são viciados e estão envolvidos com o Narcotráfico e acrescenta que as lembranças de uma tarde com seu pai, das lembranças das dificuldades e das tentativas em vão de sacar a árvore da terra, o livraram de tantas oportunidades de tornar-se um viciado ou traficante.

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Sebastian ainda critica o quanto estamos envolvidos em um mundo de ilusão, desejando sempre dinheiro, mulheres e carros. Explica sobre os atalhos que o narcotráfico fornece para conquistar essas coisas e a forma como isso vai tornando os envolvidos cada vez mais sanguinários e famintos por alcançar isso.

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Treinador de cães para Departamento Anti Drogas de Medellín, conhece o sistema. Cheio de ideologia, diz que quer muito viajar pelo mundo também para descobrir outros países e outras culturas. Aprender outros idiomas e tentar fazer algo pelas pessoas.

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Hoje Sebastian estuda gastronomia, é Chef de um restaurante, funcionário do município de Medellin e treinador de cães. Além claro de ser um grande revolucionário em suas idéias.

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Eu nos caminhos das montanhas tentava lembrar onde as crianças aprendem a serem incorruptíveis. Onde os pequeninos recebem grandes lições de sabedoria, de cidadania que vão faze-los adultos conscientes sobre as enfermidades do mundo e responsáveis diretamente por muda-las.

Temos que começar a criar uma nova linha de ensino, onde se aprenda a não se corromper. Onde seja ensinado ajudar o próximo, a entender a importância do trabalho em prol da humanidade, que se ensine sobre responsabilidade social e ambiental.

Precisamos ir semeando esse novo estado de consciência...

15 de setembro de 2009

90 dias


Tres meses?
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Nao nao... Tem algo errado... Meros noventa dias...?
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Salve Einstein e a teoria da relatividade. Poderia jurar que hoje se completariam tres anos, mais talvez, desde que desprendi da minha cidade e fiz uma pausa no convivio com muitas das grandes pessoas da minha vida.
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Eu cheio de dúvidas, de anseios, sabendo tao pouco sobre o que isso representaria na minha vida. Um enorme território desconhecido a desbravar, a distância física de tantas pessoas importantes, a segurança e o carisma de Joao Pessoa que por tantos anos foi um porto seguro.
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Os medos. Nao dos bandidos, nem das estradas, nem do passo seguinte desconhecido. Os medos que sentia sobre sacrificar as boas horas de convivencia em conversas despretenciosas, engraçadas e as vezes profundas abordando a vida, os sonhos, as decisoes.
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O caminho e o bombardeio de incertezas só aumentaram a cada quilometro que foi rodado e nao me livrei das duvidas, aprendi a conviver em paz com elas.
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Duvida, insegurança, a necessidade de tomar decisoes rapidas, o cansaço, a liberdade, a incrível fé que me acompanha, a saudade bem especifica de pessoas e momentos. As incriveis paisagens e historias, o roteiro do dia seguinte, os trevos das estradas e o caminho.
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O caminho é o que há de mais maravilhoso. No físico, no mental e no espiritual. O movimento do mundo ao meu redor gera sensaçoes e sentimentos únicos, pensamentos impossíveis e me dao a impressao de voar.
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Três países. Um mundo desconheçido ainda por vir nos muitos milhares de quilometros que faltam para essa jornada.
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Desprendimento
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E como se a cada dia fosse necessário eu avaliar o segundo anterior e a decisao seguinte. E da mesma forma como se fosse necessário esquecer o segundo anterior e o seguinte e enxergar o exato em que estou.
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Um turbilhao de emoçoes que controle, amarro, desato, me tras paz e agitaçao.
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Tenho inumeras vezes a sensaçao de que a Terra nao gira mais e eu é que estou girando em círculos ao seu redor.
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Me sinto bem em viajar e viver essas maluquices!

Hoje, sensaçao de anos longe de todos. E como se num piscar de olhos pudesse estar ao lado de cada um!

Vivam os modestos 90 dias de viagem.

2 de setembro de 2009

Venezuela

Como todo resto da viagem, essa segunda fase, quando saio do Brasil, não havia sido planejada a fundo. Defini um roteiro macro e marquei as principais cidades que deveria passar. Acostumado a definir a direção somente diante dos trevos e encruzilhadas enquanto ainda no Brasil, não pensei que iria ter alguna dificuldade fora. Porem o equivoco que cometi não foi em relação a ter dificuldades em escolher a direção mas sim em deixar a “sensação de segurança” que o nosso país berço oferece para entrar em um país bem mais hostil e desconheçido do que eu imaginava.

Fui bombardeado pelos Venezuelanos que insistiam em dizer que era “Absolutamente” insano cruzar a venezuela sozinho e que era muito provavel que eu fosse assaltado em algum momento. A palavra Periculoso foi incontaveis vezes pronunciada.
Sim, depois de tantas informaçoes sobre as lendas de super bandidos e traficantes que eu enfrentaria fiquei com medo.
Parece algo muito simples essa história de ter medo, mas eu sou duro na queda e para os que me conheçem sabe que eu admitir que fiquei intimidado é por que a coisa foi séria.
Mas muito acima do medo estava a vontade incrivel de desbravar esse territorio novo e fazer essas lendas de fato ficarem na condição de lendas.
Aos poucos fui me tranquilizando e a cada nova cidade que passava, que pelas informaçoes eram praticamente sitiadas pelo perigo, fui refletindo sobre como precisamos encarar os perigos para seguir nossos objetivos e que se pararmos na primeira ameaça podemos ter sido vítimas apenas de lendas.

Agora ja estou ate furando barreiras nas estradas, subindo e descendo os Andes e se olhar feio eu ja retruco. “¿Qué Passa? ¡ Soy BRASILEIRO MERMAO!

Nesse país enfrentei os mais diversos climas. Aridez extrema e ventos super gelados dos Andes. Vi animais muito diferentes do que tem no Brasil e paisagens que lembram o Sertao Nordestino arrancando saudades imensas.
Aprendi a entender muito mais español e falar o suficiente para uma conversa despretenciosa com algum habitante com uma boa história.
Levo para Colombia uma boa bagagem de sensaçoes novas e uma enciclopédia de detalhes aprendidos nesse mês na Venezuela.

Devo ainda ficar nesse país mais 5 dias e finalmente entrar na Colombia pela regiao da La Guajira, extremo norte da América do Sul.