27 de junho de 2009

“Tudo é passageiro, menos motorista e cobrador”



Não é exclusividade de quem larga tudo para viajar passar por situações que exijam paciência testando nossos nervos e nos fazendo alcançar picos de emoção, muitas vezes emoções negativas. Essa situação é tão genérica que podemos nos recordar desde um dia que acordamos querendo escovar o dente e falta água, como dias em que o exaustivo trabalho nos cansou e uma brincadeira de alguém que não está tão cansado assim nos tira do sério.

Uma manhã de chuva forte e frio dentro da barraca, a constante lama lançada dos caminhões, ou mesmo os fortes picos de saudade que vem e vão conforme eu permito podem enquadrar-se na situação acima.

Ao longo da viagem vou entendendo de maneira intensa o quanto todas essas coisas são temporárias. Que a angústia da péssima visibilidade é ate que pare a chuva. Que a lama está ali até haver sol e que em cinco minutos somem as nuvens e revelam um sol lindo que nos convida a uma cachoeira perdida.

Acontece da mesma forma com tudo que é bom, com tudo que é engraçado e com todas as fantásticas pessoas que estou conhecendo e convivendo por períodos tão curtos de tempo.



De certa maneira é absolutamente passageiro tudo isso.

São lugares e momentos únicos que vão estar em minhas lembranças e logo em seguida transformados pelas leis da física, pelo constante movimento da natureza. O que faz de todo segundo um segundo único e importante.

Sendo tudo temporal perde a lógica a raiva das situações, impaciência e a agressividade. Talvez seja fácil para eu colocar isso em prática, pois sozinho não posso gritar comigo mesmo, ou xingar alguém quando entro na barraca. Nem mesmo reclamar da chuva e do frio. Acabo rindo e lembrando que se comprei um saco de dormir térmico foi prevendo chuva. Que se tivesse companhia não perderia segundos de boa conversa para reclamar da lama ou da moto que as vezes não pega.

Eventualmente porem, podemos quebrar a barreira da temporalidade e eternizar ações ou palavras. Se estivermos em equilíbrio e dispostos a ajudar aqueles que nos cercam podemos fazer e falar coisas que vão mesmo modificar a vida das pessoas. Atenção a direção, pois isso serve para o bem e para o mal.

Atenção também quando as pessoas estão prontas a nos ajudar e fechamos os olhos para suas ações e palavras. Ao longo das faixas de asfalto consigo enxergar quanta gente pronta para fazer o bem existe por ai.

São poucas as oportunidades de eternizar momentos, estou tentando aproveitá-las.


25 de junho de 2009

Descansar e Curiosidades

Engraçado o que acontece comigo quando estou cansado, tenho a certeza que meus direitos aumentam proporcionalmente ao meu desgaste físico e mental.Quando cansado julgo precisar de mais atenção, afinal, por que demoram tanto a responder... estou exausto!Acho que posso gastar mais, afinal estou tão cansado, mereço isso.Não preciso parar para anotar nada... Eu anoto quando estiver descansado.Será que NINGUÉM está vendo que estou cansado caramba?! O fato é que o mundo não para, nem da mais atenção, nem se preocupa com isso, afinal, todos nós estamos cansados. Cansados de trabalhar. Cansados das mesmas coisas.Cansado de não ter feito nada para se melhor do que era ontem. Precisamos respirar e descansar. E então ou nos movemos rumo a algo melhor ou estacionamos no tempo. E o que está parado... está morto.

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CURIOSIDADES

O Camelbak:
Eis uma ferramenta maravilhosamente útil. Hoje não consigo andar mais de cem quilômetros sem tomar um gole de água. Ah sem precisar parar a moto. Essa mochila cantil facilita muito nossa vida, mas devemos ler os manuais antes de operar.


Eu por algum engano devo ter jogado fora o que veio na minha e aprendi a usar na pratica. Mas para os desavisados, uma dica:
Assim que você sai para uma aventura dessas, sua cabeça está a mil e alguns fatores ficam deficientes como os cálculos físicos.

Pouco mais de 50 km de estrada e deu a bendita sede, mas olhe só, tenho um camelbak! Faço uma ultrapassagem, dou uma acelerada e logo tento tomar água pela ponta da mangueira. Bom, ai vem a primeira parte da lição, descubra como funciona a bendita válvula de abertura. Com o capacete atrapalhando eu usei minha boca e mordi, puxei, empurrei e nada. Claro que no manual estaria escrito: “Para ter acesso a válvula retire a tampa de proteção”. Quase depois de ter engolido a bendita tampa, que muitas mordidas depois soltou-se na minha boca, aprendi que o acionamento da válvula acontece com um simples puxão. Parei é claro ate descobrir isso, mas indignado com a falta de prática para usar algo tão simples, resolvi fazê-lo enquanto pilotava, afinal essa era a utilidade dessa mochila de água. Devagarzinho realizei a proeza de tomar água andando de moto. Que coisa boa, a válvula é tão simples. Relaxado tomei água umas três vezes. Mais a frente e mais relaxado, tão relaxado que me encontrava encostado no baú pressionando o super cantil com as costas, decidi pelo quarto gole de água que lavou literalmente a viseira do capacete. Imaginem um extintor acionado em sua boca enquanto você pilota em alta velocidade...


Minha mãe sabe o quanto eu gosto dos manuais. Facilitam nossa vida.


Os olhos dos motociclistas (um dia provarei essa teoria) devem desenvolver ao longo dos quilômetros rodados uma película de proteção. Hoje me considero um perito no quesitoinseto no olho”.
Com habilidosos movimentos das pálpebras e retina consigo isolalos no canto. Claro que um olho de cada vez, afinal preciso estar com pelo menos meia vista na estrada.
Quando os bichinho permanecem vivos é uma verdadeira briga entre piscadas e os movimentos do infeliz. E nem tente usar os dedos, ao esmaga-los e suas micro vísceras espalharem-se, pode feder, arder, coçar e outros mil efeitos colaterais. Portanto é melhor que esses artrópodes fiquem vivos até estarem fora dos meus olhos.

E não poderia deixar de dizer que quando nossos amigos não estão me incomodando nos olhos é por que estou degustando...

Eu já conhecia o sabor nem sempre doce, nem sempre salgado de algumas espécies de insetos. Mas ultimamente esses lanchinhos de viagem têm me surpreendido. São gostos muito diferentes dos quais eu estava habituado. E olhe que tenho know-hall para opinar nessa área gastronômica. Principalmente as borboletas. Aquelas amarelinhas então... Alem do gosto azedo ainda resolvem bater no meu para brisas (é isso mesmo, minha moto tem para brisas) e se espatifarem deixando seu cheiro podre na minha frente. Pior é quando pega na "quina" que metade fica no parabrisa e metade no meu rosto. Ai passo os dedos para limpar e espalho aquela meleca das lindas borboletinhas amarelas na minha cara.

Para evitar maiores incidências já dizia meu pai: "Não viaje no horário dos bichos". Perto do pôr do sol os bichos saem de suas tocas para se alimentar. Isso inclui todos os bichos, não só insetos.

Bom pessoal, de barriga cheia encerro aqui.

Obrigado a todos pelos apoios e pela paciência de acompanhar.

23 de junho de 2009

Ricos pobres, pobres ricos.

Foram sete dias de viagem. Tantas cidades, tantas pessoas, tanta coisa nova. Um novo jeito de vida ao qual vou me adaptando a cada dia. Decisões como escolher a hora de parar ou se sigo para próxima cidade, de com quem poder conversar ou o que falar. Tantos trevos que levam a lugares distintos e deixando a intuição decidir o caminho.
Uma completa instabilidade diária. Medos sim, novos, velhos, junto com tantas incertezas. Mas uma incrível certeza de que o caminho é esse.
Hoje me deparo com o começo de um dos mais difíceis desafios. O controle das emoções. É o momento que tenho que colocar em prática as lições sobre desprendimento das pessoas e dos sentimentos. O momento de respirar e ficar com a mente leve e livre dos apegos, pois do contrario, vou sofrer.
Isso exige absoluto policiamento da mente para não deixar levar-se pela nostalgia, nem por lembranças, nem por falta, saudade.
Antes eu fazia isso direcionando esses pensamentos nas expectativas do futuro, mas com toda essa instabilidade, não consigo mentalizar o futuro. Tudo é tão incerto, desconhecido.
Concentro-me então no agora, no que tenho de fazer para que esse exato momento seja relevante em minha vida, ou na vida das pessoas.
Talvez essa seja mesmo necessário toda essa coragem que falavam para eu conseguir fazer isso que estou fazendo. Reflito horas do dia. Vejo mil oportunidades passarem e agarro outras mil. Tento extrair do mundo lições e quando passou segundos sem isso já começo a me sentir inútil.

Um mix de sentimentos desdobram-se dentro de mim.
Um dos mais estranhos é a sensação de responsabilidade sobre cada decisão, sobre cada atitude, sobre cada pessoa. Uma responsabilidade que sempre trouxe comigo, mas que a cada dia de viagem aflora. A responsabilidade de tentar mudar esse mundo.
Onde começo, o que faço afinal....
Parece loucura, mas é algo sólido em minha mente.
Vou modificando-me a todo instante.

Percebo que estou atingindo em um ritmo lento as pessoas. Talvez na mesma velocidade que me deixo atingir também, em intensidades bem distintas é claro.

Uma ferramenta chave está despertando brilho nos olhos dos que precisam de ajuda.
Quando conto que estou viajando para mudar esse mundo e mostrar um mundo melhor vejo nas pessoas que frequentemente julgaríamos “estudadas”, pitadas de inveja, provocações em relação a coragem aos recursos para realizar essa proeza.
Os humildes por sua vez, pessoas que passam o tempo todo por nós e frequentemente não enxergamos, enchem de brilho e esperança os olhos e acreditam profundamente que uma mudança é possível. Seria fé devido ao sofrimento? Seria por que precisam acreditar em algo ou alguém? Não sei as respostas, mas sinto-me fortificado quando me deparo com esses pobres de bens, ricos de espírito e cada vez mais essa viagem vai fazendo sentido.

Viva la Revolucion!

Sim, hoje passo por uma verdadeira revolução de valores e sentidos, emoções e fé.

18 de junho de 2009

Missão

Conforme percorro a estrada, vou dando-me conta da importante missão que tenho pela frete.
Os verdadeiros desafios estão longe das estradas, dos desertos, das chuvas ou do frio.
Preciso me concentrar na mensagem que tenho que passar e isso não só é delicado, mas perigoso.

A medida que me desprendo da timidez e procuro novas maneiras de abordar e conhecer pessoas, deparo-me com a necessidade de explicar o caminho, o que tornam as coisas mais perigosas.

Escorrego para lá e para cá antes de dar pistas do próximo ponto e ao mesmo tempo tento sugar ao máximo as informações das pessoas com quem converso.

Não é fácil dizer que “estou viajando por mundo melhor”, ou que busco sabedoria, ou que quero conhecer lugares e pessoas...
Da inveja da coragem ao medo tão crente que chega ser praguejado.



Nas reflexões em cima do asfalto recordo-me de ter comparado os diversos graus de desenvolvimento que a humanidade já alcançou. Nas engenharias, na medicina, na tecnologia da informação e em tantas outras áreas, nós humanos, chegamos tão longe.


Progredimos em tudo isso nesse exato momento.
É bem possível que uma nova vacina esteja sendo descoberta, que uma nova extraordinária obra esteja sendo construída ou que novos e avançados métodos de comunicação estejam ficando acessíveis.

E quanto a nosso progresso como Humanos?
Estamos ajudando o próximo, amando-os como a nós mesmos?
Estamos saciando a fome de alguém, não necessariamente com alimento, mas com palavras que consolam?
Estamos sensibilizados ou nos esforçando para tanta miséria que existe no mundo desaparecer tão rápido quanto progresso das outras áreas acontece?


Eu creio que nosso ritmo é lento. Que temos sim dificuldades e medos. Mas seguindo nossos corações e olhando para os seres a nossa volta como amigos e irmãos, podemos melhorar tudo e ajudar a todos.
Dessa viagem não vejo mais do que pura responsabilidade com o próximo e é uma missão que pretendo alcançar.

15 de junho de 2009

Viagem no Tempo

Dizem que quando estamos na beirinha da morte, um segundo antes de bater as botas, lembramos de tudo que nos aconteceu nessa vida.

Viajei apenas 200 quilómetros hoje, mas tive a impressão de ter me perdido no tempo.
Retornei às mais remotas lembranças da infância em uma chácara em São José dos Pinhais.
Das brincadeiras com minha irmã num monte de areia que ficava perto do bosque.
Os pinheiros, do céu cinza, das telhas verdes.
Lembrei de quando em família fazíamos viagens ao nordeste.
Quando parávamos o carro em postos de gasolina e minha mãe servia deliciosos sanduiches com achocolatado.

Das tantas vezes que pesquei com meu pai, no mar, na chuva, nos barcos, na fazenda, na lagoa.

Do infinito período de tempo que marcou uma verdadeira revolução na infância. A época do Motor Home.

Da minha caçulinha cheia de cachinhos, de calçinha de babadinhos, correndo desengonçada. Da forma como amava o mar aquela pequenina.

As lembranças trouxeram minha primeira moto. Uma Walk-Machine que meu pai adaptou. Que fez tanto sucesso quando funcionava.

E fui longe...

Senti a emoção dos acampamentos.

As decisões da linha de tempo dos estudos, sempre variando tanto.

A solidão e a forma como aprendi com ela.

De Curitiba à Guaraqueçaba, e a João Pessoa também.

Dos olhos daqueles que consegui atenção quando expunha meus sonhos e tentava fazê-los acreditar que nunca houve perigo.

Assisti a mais um pôr do sol e refleti sobre cada ciclo que nasce e que se encerra. E que mesmo nascendo e morrendo, começando e recomeçando, vai deixando gravado em nós um pouco de sua existência.

Se tenho 23 anos, foi o tempo que durou essa viagem de apenas 200 quilômetros nesse primeiro dia de Mundo Novo.

Uma mistura de emoções. Orgulho dos meus pais e das minhas irmãs. Segurança nos meus fiéis amigos. Sentimento de estar pronto para tantos desafios quando a vida pedir. Uma fé que ressuscita, inabalável.

Um observador do mundo, da vida. Que a cada acelerada, a cada faixa de asfalto passada, consegue entender mais disso tudo.

Não preparei nada. Estou apenas me deixando conduzir pelo coração.

Sinto o caminho. Farejo a direção.

E sigo!