Estou aguardando um navio.
Hoje é domingo, embarco na terça-feira e saio na quarta. Aguardar é mesmo algo difícil para quem vem de intensos trinta dias de movimento.
Hospedado na casa de um grande amigo que mergulhou nos meus ideais, espero as horas passarem, as vezes frente ao computador e as vezes sentado na cama olhando o teto.
Poderia me ocupar facilmente, mas o silêncio a essa altura é necessário. Revela todos os medos escondidos ou disfarçados no movimento.
Sim, as poucas pessoas que me conhecem facilmente identificam a forma como procuro atropelar algumas idéias com a velocidade das mudanças e procurar esquecê-las em vez de encará-las.
O silêncio e a solidão neste caso me desarmam e me deixam sem alternativas a não ser pensar sobre tudo e tentar entender e colocar cada pensamento em seu devido lugar.
Nem sempre achando soluções, nem sempre resolvendo, mas colocando-me ciente de cada coisa que vivo, que imagino, que almejo, sem deixar que desejos ou medos escondam-se, impedido refletir a respeito.
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São nesses momentos de silêncio em que consigo ver e ouvir o que está se passando em meu coração. Escutar os próprios pensamentos e até opinar sobre a própria intuição.
Em meio a isso tudo o tédio. Como se a terra parasse de girar e a velocidade com que as coisas mudam simplesmente congelasse.
Quando perde a importância levantar, se mexer, comer ou dormir sobra uma única alternativa: Pensar.
A direção dos pensamentos pode ser livre no começo, mas devagar as perguntas se aproximam e o querer entender o porquê das coisas passa a ser mais uma busca.
Cito outro filósofo, “conhece a ti mesmo”.
É claro que não é necessário cair no mundo para olhar para si e lapidar-se, mas essa vivência no mundo começa a trazer perguntas que talvez nunca me faria enquanto parado e estão me levando a respostas surpreendentes que me modificam a todo instante.
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As pessoas estão com esperança e querem uma mudança no mundo. Sentem a transição que já acontece, mesmo num ritmo lento. Cada vez que vejo um par de olhos brilhando e acreditando nessa “revolução” sinto que essa viagem faz mais sentido.
A teoria de que podemos perdoar, ajudar o próximo e que semeando ações de bondade vamos colher felicidade é cada vez mais sentida. Existem cada vez mais exemplos e cada vez mais adeptos a essas idéias e o medo do mundo “violento e miserável” passa a ser encarado com coragem e disposição para mudança.
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Depois de sete longos dias em um navio, perdi a noção do tempo mais uma vez e perdi o ritmo. Agora em Manaus tenho grandes deveres. O dinheiro acabou e é hora de trocar trabalho por mais alguns quilômetros.
Está se aproximando a segunda etapa, muito mais intensa e difícil e preciso de muita disciplina para encarar o que está por vir. Essa disciplina tem que estar presente desde já, mas confesso... Estou precisando de fôlego para um recomeço intenso nessa cidade. Fôlego para quando sair pelas ruas dessa cidade conquistar o que almejo, fazer as coisas acontecerem mesmo longe de tudo e todos.
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O prazer de convencer-me novamente que nada é impossível e que perseverança e luta são armas para qualquer batalha que venha a surgir.
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Uma das lutas particulares porem é conseguir livrar-me da pressão que eu mesmo imponho sobre meus dias, meus atos, minhas conquistas. Tenho impressões de que faço ainda somente o que é trivial frente ao que se tem para fazer...
Talvez eu precise de mais tempo para saber o que fazer para ir mais a fundo nessa mudança...
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Em meio a imensidão da Amazônia, com seus cheiros, gostos e costumes, me preparo para o grande segundo passo que deve acontecer em menos de uma lua.