31 de julho de 2009

Preparando a segunda etapa


Estou aguardando um navio.
Hoje é domingo, embarco na terça-feira e saio na quarta. Aguardar é mesmo algo difícil para quem vem de intensos trinta dias de movimento.
Hospedado na casa de um grande amigo que mergulhou nos meus ideais, espero as horas passarem, as vezes frente ao computador e as vezes sentado na cama olhando o teto.
Poderia me ocupar facilmente, mas o silêncio a essa altura é necessário. Revela todos os medos escondidos ou disfarçados no movimento.
Sim, as poucas pessoas que me conhecem facilmente identificam a forma como procuro atropelar algumas idéias com a velocidade das mudanças e procurar esquecê-las em vez de encará-las.
O silêncio e a solidão neste caso me desarmam e me deixam sem alternativas a não ser pensar sobre tudo e tentar entender e colocar cada pensamento em seu devido lugar.
Nem sempre achando soluções, nem sempre resolvendo, mas colocando-me ciente de cada coisa que vivo, que imagino, que almejo, sem deixar que desejos ou medos escondam-se, impedido refletir a respeito.
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São nesses momentos de silêncio em que consigo ver e ouvir o que está se passando em meu coração. Escutar os próprios pensamentos e até opinar sobre a própria intuição.
Em meio a isso tudo o tédio. Como se a terra parasse de girar e a velocidade com que as coisas mudam simplesmente congelasse.
Quando perde a importância levantar, se mexer, comer ou dormir sobra uma única alternativa: Pensar.
A direção dos pensamentos pode ser livre no começo, mas devagar as perguntas se aproximam e o querer entender o porquê das coisas passa a ser mais uma busca.
Cito outro filósofo, “conhece a ti mesmo”.
É claro que não é necessário cair no mundo para olhar para si e lapidar-se, mas essa vivência no mundo começa a trazer perguntas que talvez nunca me faria enquanto parado e estão me levando a respostas surpreendentes que me modificam a todo instante.
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As pessoas estão com esperança e querem uma mudança no mundo. Sentem a transição que já acontece, mesmo num ritmo lento. Cada vez que vejo um par de olhos brilhando e acreditando nessa “revolução” sinto que essa viagem faz mais sentido.
A teoria de que podemos perdoar, ajudar o próximo e que semeando ações de bondade vamos colher felicidade é cada vez mais sentida. Existem cada vez mais exemplos e cada vez mais adeptos a essas idéias e o medo do mundo “violento e miserável” passa a ser encarado com coragem e disposição para mudança.
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Depois de sete longos dias em um navio, perdi a noção do tempo mais uma vez e perdi o ritmo. Agora em Manaus tenho grandes deveres. O dinheiro acabou e é hora de trocar trabalho por mais alguns quilômetros.
Está se aproximando a segunda etapa, muito mais intensa e difícil e preciso de muita disciplina para encarar o que está por vir. Essa disciplina tem que estar presente desde já, mas confesso... Estou precisando de fôlego para um recomeço intenso nessa cidade. Fôlego para quando sair pelas ruas dessa cidade conquistar o que almejo, fazer as coisas acontecerem mesmo longe de tudo e todos.

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O prazer de convencer-me novamente que nada é impossível e que perseverança e luta são armas para qualquer batalha que venha a surgir.
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Uma das lutas particulares porem é conseguir livrar-me da pressão que eu mesmo imponho sobre meus dias, meus atos, minhas conquistas. Tenho impressões de que faço ainda somente o que é trivial frente ao que se tem para fazer...
Talvez eu precise de mais tempo para saber o que fazer para ir mais a fundo nessa mudança...
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Em meio a imensidão da Amazônia, com seus cheiros, gostos e costumes, me preparo para o grande segundo passo que deve acontecer em menos de uma lua.

16 de julho de 2009

Um Mês

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Minha Rota


Há trinta dias atrás subi em minha moto para realizar uma viagem de quarenta mil quilômetros percorrendo toda América do Sul ao longo de um ano e meio.
Não sei espanhol e nunca saí do país. Tenho uma moto usada, uma barraca e muita disposição. Não tenho dinheiro para todo trajeto, nem para todo tempo, terei que trabalhar ao longo do caminho. Quero conhecer muito, por isso tanto tempo de viagem.
Tenho um roteiro geral e grosseiro apenas para me orientar quanto ao tempo. Os caminhos do dia a dia escolho intuitivamente em cada trevo, diante das direções de placas ou da beleza das pequenas estradinhas escondidas.
Tenho uma causa: “Mostrar que o mundo está melhorando”, através das pessoas que conheço ao longo do percurso, procuro entender suas realidades, saber são felizes, saber se acreditam num mundo melhor, saber se realizam seus sonhos. Ainda estou construindo meus ideais para que essa causa ganhe ainda mais força.
Conto com uma incrível fé dos meus amigos, do incentivo dos que conheço no caminho e dos que viram espectadores.


Estou na cidade de Belém no Pará.
Recém chegado da Ilha de Marajó.

Uma paisagem de encantar os olhos.
Embarco em seguida para Santarém.
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Uma viagem de quatro dias de barco.
Tudo é muito rico em cultura.

9 de julho de 2009

4000 km


São infinitos pensamentos que surgem enquanto as faixas de aslfalto passam. Pensamentos sobre tudo e todos. Uma incrível reviravolta constante entre lembraças e expectativas futuras.

Milhões de "link's" que se formam com paisagens que passam, pessoas que conheço, situações que passo.
Vivo uma sequência inacreditável de De ja vus.
Quando olho para trás, num passado recente muitas vezes de segundos, sinto que este exato momento ja virou "aquele momento" e está no passado.

Recordo esses quase trinta dias de viagem como toda uma existencia... Sem conseguir definir tempo de começo nem tempo de duração.





A cada dia passado vejo-me fazendo uma perguntinha clichê.
"O que aprendi hoje que me torna melhor do que fui ontem?"
Incrivelmente venho encontrando boas respostas. Dia a dia, me esforço em semear e em colher ao mesmo tempo, afinal passo por uma faculdade intensiva o tempo todo e do mesmo jeito encontro pessoas que ouvem algumas poucas palavras e enxergam nelas uma esperaça de futuro.




Confesso que tem sido difícil tomar nota de tudo que passo.
Reescrever um aprendizado, uma lição, é mais delicado do que parece.
Grande mérito tem aqueles que colocam em palavras o que aprendem de forma que os que leiam sintam suas mesmas emoções e absorvam seu aprendizado de maneira igual.
Não tenho intenções de fazer isso aqui nem agora, mas se a prática leva à perfeição, que esse seja meu caderno de exercícios de casa.



Tentarei portanto compartilhar coisas simples que observei e quem sabe ao longo dessa viagem, quando conseguir olhar com mais maturidade todos ensinamento que estou recebendo, eu possa tentar traduzir as grandes lições de forma que eu compreenda junto com todos que acompanham.




Aprendi que em Piripiri, no Piauí, um cachorro quente completo é composto por: Pão, salsicha, carne moída, batata palha, cenoura e beterraba ralada e queijo ralado.
Que cachorro quente em Capanema no Pará é feito com pão redondo e vai alface e tomate igual hambúrguer, alem é claro do toque com pepino.


Em alguns lugares do Maranhão, açaí chama-se Jussara e nesse mesmo estado na cidade de Governador Nunes Freire um PF ou prato feito é composto por 5 porções grandes de comida. Acima do PF tem a opção de “Refeição”.




As distâncias podem ser medidas em léguas (6km), rios, horas ou estado das estradas. “Você anda até a estrada ficar boa e dobra ali”
A farinha de mandioca tem mil sabores, cores e aspectos físicos.

O maior medo de um negro chamado Wiliam, descendente de escravos que vive em um quilombo próximo a Alcântara, é a forma como suas filhas de um e dois anos ficam quietas e atentas a tudo que acontece na TV e disse que não vai ter uma “dessas” tão cedo. Esse mesmo cidadão sonha um dia aprender a ler para saber o que tem escrito nas carteiras de cigarro, nas caixas de fósforos e nos rótulos das garrafas de cachaça.




Existem búfalos no Maranhão e lugares no Ceará que chegam até doze graus de temperatura.

Moto pesada pode até atravessar rio, mas não anda muito bem na areia.

Mendingo, segundo um representante da classe, quer dizer “Homem infinitamente grande”. Suas palavras apresentaram tamanha força e sabedoria que dispensou qualquer pesquisa gramatical.

Uma senhora de São Luis, cidadã com traços característicos, negou minha solicitação para um retrato, mesmo depois de muitos sorrisos e tentativas de convencimento.

Existem guias turísticos que amam o que fazem e importam-se principalmente em ajudar o turista de toda forma. Outros porem ajudam de toda forma, mas cada forma tem seu preço e os preços são realmente altos.

Os vigias são verdadeiros canais de informações e sempre uma boa escolha para um bate papo sobre todo e qualquer assunto.





Existem tantas placas ”Perigo” quanto faixas pintadas no asfalto.

Em São Luis, em uma grande oficina recebo a seguinte resposta após perguntar sobre solda: “Nós até temos a máquina, mas você vai ter que tentar convencer o soldador a soldar”.
O guará, um pássaro de penas muito vermelhas, tem essa cor somente por que se alimenta de caranguejos.

Em Barreirinhas-MA almocei em um restaurante que não tinha Coca-Cola, nem Guaraná Antártica, nem Fanta e nem Sprite, apenas Guaraná Jesus. Também um espetinho de carne é servido no prato com uma porção de arroz e salada.


Várias pessoas pediram para eu esperar para copiarem a frase da bandeira presente de Rapha e Lelis.



As melhores perguntas e respostas:
“A estrada está boa?”
- Essa moto ai passa com certeza.
- Teve a enchente e eu nunca mais fui lá, mas ta boa.
- Tem um par de légua de buraco, se conseguir passar fica boa toda.

“Moço, a cidade está perto?”
- Só seguir direto...
- Falta uma, duas, três, na quarta quebrada você droba e já vai ta do lado.
- BR222??? Fica lá na pqp... Longe p caramba... Pá onde tu vai memo??

Ao telefone: “Alô, Sr. Como faço para chegar ao Albergue?”
- Chega no centro histórico e pergunta.
“Da onde ta falando?”
- Do Albergue, mais alguma coisa?




“Sr, sabe onde tem internet?”
- Ow rapaz, vendi a última agorinha.

Acreditem... Estou aprendendo mais do que essas coisas, mas até então é o que consigo compartilhar.

Essa viagem tem ainda milhares de quilômetros de novidades e de conheçimento. Ainda estamos por desbravar nossa própria cultura, mas breve estaremos mergulhando num verdadeiro choque cultural dos "nostros hermanos".

2 de julho de 2009

"O chão é o limite"

Cedo ou tarde a hora de testar os limites ia chegar.
Eu sabia desde o começo que a viagem ia ser dura e que em alguns caminhos ia sofrer mais.
Bom, no dia 30.06 foi o primeiro dia adaptação física e de teste dos limites do controle emocional.
Um dia de extremos e de aprendizado.
A estrada que peguei de Tutóia rumo aos Lençois Maranhenses não existe no mapa. E olhe que carrego comigo três mapas de empresas diferentes.
Quase todas as informações eram precárias, e pior, falsas.
Talvez na intenção de ajudar, os ribeirinhos diziam... "Pode seguir que ta perto..."
A noção das distâncias também era completamente errada. "Mais uns 10km"... Quando faltavam 60km.
A absurda quantidade de rios e areia fofa me levaram a exaustão.
A moto foi ao chão muitas vezes.



Essa estrada de muita areia é cruel para uma moto com a quantidade de peso que eu levo e para pneus mistos (asfalto e terra).
Para percorrer 100 km demorei cerca de 8 horas.
Só cheguei ao destino as oito da noite, completamente exausto e com muita dor em todo corpo.

Alguns aprendizados:
A água acabou após 4 horas de sol.
Após algum cansaço não consigo levantar a moto com a carga em cima.
Para andar na areia preciso de peso na parte dianteira.
Não pegar estradas desconhecidas nem confiar nas informações dos ribeirinhos.
Estar atento aos horários do sol.
Meu sentido de orientação esta embaraçado, ja que o sol não nasce mais no mar. Nem eu estou indo para o Norte. Sigo para Noroeste e isso me confunde ja que sempre me orientei pelo sol.


No resumo da coisa fiquei satisfeito comigo. A dor das quedas, o desespero em meio a um deserto pela frente e sem água, o verdadeiro esgotamento físico nos fazem rever valores e ao mesmo tempo fortalecem. Sei que posso continuar por que consigo superar bons obstáculos.


Agora claro que depois de todo esforço vem a recompensa.





Lençois Maranhenses - MA